Na coluna opinião, o diretor do Instituto, Fabrício Mendes da Silva, apresenta o texto que ele expõe no Seminário Internacional de Direitos Humanos do Instituto Chongyang de Estudios Financieros de la Universidad Renmin de China (RDCY) e da Universidad Metropolitana para la Educación y el Trabajo (UMET – Argentina)
O Direito à Cidade e a Reprodução da Vida: Por um Modelo de Estoques Públicos e Controle de Aluguéis
Durante a minha juventude, vivi a experiência de residir por alguns anos em uma ocupação irregular de edifícios abandonados. Foi nesse contexto que tive contato direto com o que considero uma das violações de Direitos Humanos mais perversas: a perda total, e em todos os sentidos, do direito à habitação.
Ter uma moradia não é apenas um conforto; é um dos itens mais elementares para a reprodução da vida humana nas sociedades modernas, especialmente na lógica da sociedade capitalista. Sem o acesso à moradia, ocorre uma ruptura fundamental nesse ciclo de vida. Essa ausência gera pobreza e miséria sistemáticas, alimenta circuitos de violência, facilita o acesso à drogadição e ao alcoolismo, e desencadeia graves problemas psicológicos, entre outras mazelas.
Neste ano, os dados nos mostram uma realidade dura: o déficit habitacional brasileiro atingiu a marca de 6 milhões de moradias.
Diante disso, trago à discussão uma proposição central na luta por moradia. Uma ideia que faz todo o sentido, mas que é pouco ou quase nada executada: a criação, em países subdesenvolvidos, de estoques públicos de moradia. Trata-se da criação e da propriedade estatal, de modo amplo, de estoques de unidades habitacionais ajustados às demandas de cada nação.
Essa proposta, aliada a outras garantias fundamentais, tem como finalidade reduzir a desigualdade social não pela via do consumo ou da renda, mas pela garantia sistemática de um direito inalienável.
Não estamos falando apenas da mera propriedade estatal ou coletiva com locação por tempo determinado. Trata-se, em última instância, da alocação de um conjunto de regulações — sobre as quais o Brasil já possui excelente literatura — e de um amplo estoque imobiliário que possibilitaria ao Estado influenciar, inclusive, o preço dos aluguéis no livre mercado.
Existem diversas alternativas para viabilizar esse estoque público sem cair na repetição de grandes conjuntos habitacionais isolados. Podemos pensar em habitações descentralizadas. Imaginem, por exemplo, que imóveis recuperados de financiamentos bancários não pagos sejam assumidos pelo Estado. Ou que o pagamento de grandes dívidas e impostos possa ser feito através do repasse de imóveis em bairros estratégicos.
Com essas e outras iniciativas, é possível que, em pouco tempo, o Estado participe de forma ativa no controle de aluguéis e na garantia universal de acesso a um teto.
Precisamos compreender que este problema não será resolvido pelas políticas neoliberais de mercado, em ampla execução na América Latina desde os anos 90. A solução passa pela consolidação planificada de uma política pública baseada na garantia real e inegociável de um direito humano, que é o acesso à moradia digna.